sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Quem pensa vê além das aparências

Estava lendo uns textos e me deparei com este de Frei Beto sobre o pensar tão rico e que serve para refletirmos nessa época de eleições.
Como disse Simon Bolivar :"Um povo ignorante é um instrumento cego da sua destruição"

Direito de pensar


Por Frei Betto

O neoliberalismo, que se esforça em preparar o funeral da história, insiste em que devemos deixar de pensar. Devemos redizer nossas palavras e submeter o pensamento ao pragmatismo tão em moda, como a arte da prosperidade. Ou ao realismo cético de quem se dobra ao pensamento único, delegando ao sistema o direito de pensar por ele.

Quem acata tão impensada sugestão, afasta-se de Platão, que fazia do ato de pensar uma forma de dialogar. Quem se deixa dominar pelo medo de pensar, evita as contradições e opiniões divergentes. Neste caso, assimila o pensamento de quem o proíbe de pensar e se alheia da busca da verdade, confundindo esta com a autoridade. E o pior: julga que o seu pobre pensar é a verdade lapidar, olvidando que há a sua verdade, a minha verdade e a verdade verdadeira, como ensinavam os antigos sábios chineses.

Toda verdade humana é relativa, e o nosso juízo crítico, dotado de bom humor, deve sempre persegui-la, peneirando-a na dúvida. Se deixamos de lado o bom humor e o senso crítico, pisamos no alçapão dos dogmas e, lá dentro, somos congelados com a nossa aparente verdade.

Ora, prefiro a maratona de Descartes, submetendo o meu pensamento ao crivo da dúvida, de modo a construir, por uma seqüência de operações, uma representação mental da realidade.

Pensar é calcular, dizia Hobbes, que não estava falando de sua conta bancária. Pensar é unificar representações numa consciência, afirmava Kant, mestre na lapidação de conceitos. Wittgenstein enfatizava que pensar é elaborar proposições dotadas de sentido.

Pensar não é abraçar o que a minha mente concebe. É desmascarar o saber travestido de pensamento. Como lembrava o velho Marx, se toda essência e aparência coincidissem, as ciências seriam supérfluas. Quem pensa vê além das aparências. Mas as aparências seduzem a ciência. Por isso, esta tende a rejeitar sua irmã gêmea, a filosofia. Destituída de pressupostos filosóficos, a parafernália tecnocientífica cai na gandaia. Foge da ética como o diabo da cruz. Não é à- toa que Hanna Arendt desconfiava do juízo político dos cientistas. Não pela falta de caráter ao aceitarem fabricar armas atômicas, nem pela ingenuidade (foram os últimos a saber de que modo as armas seriam empregadas), mas porque se auto-exilaram numa esfera onde "a linguagem perdeu o seu poder".

(Ora, convém não divorciar as ciências da filosofia. O que seria de Galileu sem Descartes? Caso contrário, não saberemos aprimorar o ser humano).

O sistema, entretanto, insiste: demita-se do seu pensar. Atrofie a sua imaginação política. Não queira modificar a realidade.

Eu reajo: quero ser livre! Ele me responde: liberdade não é pensar, é desfrutar. E isto não depende de sua cabeça, mas de seu bolso. Não perca tempo sendo voz discordante ou fazendo eco às opiniões divergentes. Não vê que a filosofia e a ética foram banidas das escolas?

A minha sina, entretanto, é pensar. Encontrar as mediações que encarnem minhas utopias em topias. Tornar possível o desejável - desbancar a hegemonia dos valores econômicos, livrar a cultura da condição de refém do mero entretenimento, reduzir significativamente a exclusão social.

Estreitam-se sempre mais os vínculos entre bens culturais e bens de consumo. Um e outro passam a ser monitorados por um princípio único: satisfação ao consumidor. Portanto, nada de produções culturais críticas, propositivas, emblemáticas, subversivas. Tudo deve ser muito "clean", comportado, sentimental, melodramático e conformista.

Penso, logo resisto. E acho graça nos arautos do fim das ideologias. Ora, ninguém é capaz de arrancar os óculos que estão atrás dos olhos e pelos quais enxergamos a realidade. Não ignoro minhas ignorâncias. Por isso, dilato a minha fome de conhecimento. Exerço a minha atividade crítica. Desmascaro o consensual. Ponho em questão as representações coletivas e as idéias estabelecidas. "Não sei por onde vou, mas sei que não vou por ai", grito com José Régio.

* Frei Betto é escritor, autor de "A Obra do Artista ­ uma visão holística do Universo"

2 comentários:

Wolber Campos disse...

Olá minha amiga Janilde!! Tudo bem?

Que bom ver uma nova postagem em seu blog! Fico feliz. Aliás que texto bonito e sábio, não?

Cabe bem nos momentos atuais, pré-eleição.

Em breve estaremos em Balsas!! Saudade de todos vocês.

Grande abraço!

Sonhos de uma professora disse...

oi meu amigo!!
quanto tempo ,né!!
obrigada pela visita, o texto é mesmo muito bonito.
estamos esperando vcs , vamos fazer uma grande festa...rsrs
um abraço!